A academia
e a indústria cultural vêm, já há algum tempo, criticando a imagem
"politicamente incorreta" de uma conquista pacífica da América.
Os 500 anos da descoberta - uma palavra também questionada pois
pressupõe a inexistência de outras civilizações no Novo Mundo -
foram comemorados com inúmeras produções que mostravam outros pontos
de vista que não o do colonizador. No entanto, o mesmo não se pode
dizer do Brasil, particularmente sobre a história da conquista do
oeste e delimitação das fronteiras que fizeram dele um país de dimensões
continentais. Uma história que consegue mesclar carnificinas e mestiçagem.
Uma integração racial feita a ferro e fogo.
Este filme se propõe a trabalhar em cima de um fato verídico
ocorrido em Mato Grosso do Sul, na região do Pantanal, em
1778. Poucos anos antes - em 1775 - foi construído à
beira do rio Paraguai o Forte Coimbra, com o objetivo de assegurar
à Coroa Portuguesa este território, constantemente
invadido por tropas espanholas. A região era habitada pelos
índios cavaleiros da tribo guaicuru, que sobreviveram durante
300 anos guerreando tanto com os espanhóis quanto com os
portugueses.
 
Em 1778,
conta a história oficial do forte, que um grupo de índios aproximou-se
do local pedindo para fazer negócios com os soldados e como prova
de sua boa vontade, ofereceram suas mulheres. Algumas horas depois,
com os soldados distraídos, os índios invadiram o forte e realizaram
um dos maiores massacres que se tem notícias: 54 soldados foram
mortos. Somente uns poucos conseguiram escapar com vida.
A proposta não é criar um épico, mas opor duas lógicas. A da civilização
indígena e a portuguesa. Ambas se desagregando no choque cultural.
O "selvagem", visto pelo português como incapaz de articular um
pensamento, é capaz de elaborar uma estratégia militar (aliás
bastante conhecida na história ocidental - o Cavalo de Tróia)
utilizando da fraqueza manifesta do inimigo. De outro lado, a
dualidade do colono branco que, ao final da vida, pede à Coroa
proteção para sua família indígena. Se não existe pecado do lado
debaixo do Equador, não existe também retorno.
  
É dispensável reafirmar a importância de se
transformar em imagens a história do Brasil do século
XVIII. No caso, a importância cresce por abordar um período
e uma situação - a delimitação das
fronteiras - que nunca teve um tratamento cinematográfico
no país. Quanto a tribo guaicuru, além de índios
cavaleiros, eles tinham um trabalho de pintura sobre corpo extremamente
belo. Para um filme de longa-metragem, temos portanto a conjugação
estética ideal: o Pantanal, uma das regiões mais
bonitas do país e inteiramente preservada, o Forte Coimbra,
até hoje existente e um belo exemplo de arquitetura colonial,
e os índios cavaleiros, representados pelos seus únicos
descendentes vivos, os kadiwéu.
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