Irene Ravache, que faz o papel de Irene, personagem escrito para ela e que retoma 20 anos depois, o personagem central de Que bom te ver viva, fala da sua experiência:
Não vejo a Irene como uma saudosista. Se ela fala do passado é porque as coisas mais fortes, os sentimentos mais profundos, aconteceram naquela época. Mas ela não carrega isso como uma bandeira. A vida continuou, ela trabalha com cinema, e convive com gente de todo tipo. Não é uma "tia ranzinza" mergulhada na ideia de que "no seu tempo é que era bom". No entanto, é inevitável falar do passado, pois, no momento em que o filme acontece, ele está presente de forma contundente: sua grande amiga de juventude e luta está morrendo num leito de hospital. Então, tudo volta de uma forma muito forte, e é isso que interessa. Ainda assim, ela continua tocando a sua vida.
A Irene "aceita" o namoro do filho Eduardo com o Gabriel, filho de seu companheiro de luta, Ricardo, que "finge" não saber de nada. Mas será que a Irene aceita mesmo? Ela ainda tem um pouco de esperança de que o filho possa se interessar por uma moça e, quem sabe, lhe dar netos. E o Ricardo, será que ele finge ou sabe?
A geração de 68 tomou uma posição politizada, sabemos que alguns mais do que outros, e que alguns muitas vezes nem tinham convicções fortes, mas juntavam-se aos companheiros. Foi uma geração que se colocou, foi à luta e sofreu as consequências. Difícil imaginar hoje algo semelhante numa geração que, ao meio-dia, se reúne em bares bebendo cerveja. A julgar pelos risos e piadas, parecem satisfeitos com o país do jeito que está. Mas é difícil também imaginar que algumas personalidades admiráveis da geração de 68, estejam hoje em casa ou em Ministérios "contando o vil metal". Também parecem satisfeitos com o país do jeito que está.
Foi muito bom! Um reencontro com uma diretora autoral, firme e talentosa. Quando li o roteiro fiquei emocionada com a possibilidade de fazer uma personagem que tem o meu nome e ao mesmo tempo é a diretora, é muito forte. Uma ligação que vem desde "Que bom te ver viva", filme que fizemos na década de 80. Uma personagem firme, sem vaidades, mas com uma ligação bonita e afetuosa com os amigos. Contracenei com atores estimulantes e generosos. A fotografia é linda! E a Lucia sabe o que quer contar. Confio nela.
Miguel Thiré que faz o papel de Eduardo, filho de Irene, fala da sua geração:
Penso que o conflito de gerações é uma coisa natural da qual não se pode fugir, posto que as gerações sempre vão ver o momento presente de pontos de vista diferentes. No caso do Eduardo, acho que ele também pensa assim. Esse conflito dos personagens do filme é marcado por fatores específicos. O filho está passando por uma idade que marcou muito a vida da mãe numa época completamente diferente. O mundo e o país hoje são mais tolerantes, democráticos e pacíficos. Não que as injustiças sociais e os "inimigos" não existam. Muito pelo contrário. Mas eles não mostram a cara. As maneiras de dominação de massa são outras. Penso que o Eduardo enxerga isso. Ele não é um alienado, como grande parte da nossa geração. No entanto, acho que ele sabe que o modo de contribuir para este mundo é diferente do de outrora. E penso também que quando sua mãe não reconhece isso e cobra dele a postura que ela tinha em 68, isso o incomoda. Soa como injustiça.
Eduardo é homossexual. Tem uma relação firme com Gabriel (feito por Patrick Sampaio). Mas acho que antes disso ele é um artista. O que quero dizer com isso é que não vejo o "Duda" levantando essa bandeira. Vejo-o amando o Gabriel. E, claro, tendo de lidar com as dificuldades geradas pelo preconceito ainda existente na sociedade atual. No entanto, é no conflito doméstico que o filme se aprofunda: Como Irene lida com isso? Como o pai de Gabriel finge ignorar o fato de o filho ser gay? Como essas figuras de cabeça aberta em 68 se deparam com a questão dentro de casa? Sou heterossexual e posso me dizer "simpatizante", se é que esse termo ainda existe, ou seja, convivo com muitas pessoas que têm essa opção sexual, e isso não é uma questão para mim.
Foi um momento muito marcante da história do país. O momento em que ser cidadão deixou de ser discurso e se transformou em ação, o que falta nos dias de hoje. Não da mesma maneira, é claro, porque a injustiça tem outra cara. Acho que a alienação tomou uma proporção muito perigosa e que exemplos como o de 68, observados com cuidado, e, nas suas circunstâncias, devem ser seguidos de alguma maneira.
Foi uma vivência muito importante. Passei por muitas coisas nesse mergulho. Muitas emoções diferentes. Fazer esse artista contemporâneo livre, sem travas no convívio social, agregador, foi o mais difícil para mim. Soltar as minhas travas. Ficar aberto. Ficar frágil. E dentro disso tudo lidando com a extrema cobrança dessa mãe na trama. Esse foi o lado mais difícil de explorar. Mais do que a opção sexual. Não digo que isso tenha sido simples. Não foi. Mas dei a sorte de trabalhar com um amigo – Patrick Sampaio – e de ter o Rogerio Blat como preparador para descobrir esse caminho. Foi uma experiência maravilhosa ter contracenado com esse elenco, principalmente com Irene Ravache. Que, para mim, se tornou uma referência profissional e pessoal. Sou muito grato a Lucia Murat por ter me dado esse presente de fazer o Eduardo. De ter sido o "filho" dela na trama. De ter podido acompanhar tudo tão de perto. Acredito que foi um belo trabalho e que nos orgulharemos dele nas telas.