Para mim era fundamental ter comigo no roteiro representantes da nova geração. Não queria fazer um filme saudosista. (Apesar de não me considerar saudosista. Tenho uma vida muito estimulante e estimulada pelo cinema, o que me permite acompanhar os tempos que correm.) Mas o meu olhar – como diz Irene atriz sobre a época – terá sempre a força desse tempo em que tudo foi vivido no limite. A vida e a morte. A perda. A sobrevivência. A tortura. E precisava de um contraponto.
Por isso, chamei Tatiana Salem Levy para trabalhar comigo no roteiro.
Não pretendíamos com o filme responder algumas perguntas recorrentes – como: Qual foi o legado da geração 68? –, pois não queríamos fazer um filme de tese. Por isso não nos interessavam respostas. As dúvidas, as impressões e as dores deveriam, no meu entender, tomar conta do filme , partindo de duas gerações diferentes. Não queríamos também cair no clichê do pai de esquerda militante com filho de mercado financeiro. O mais interessante seria contrariar esse clichê e trabalhar com uma nova geração que também é crítica e pensa na questão social. Apenas vive em outro tempo.
Sempre trabalho com pesquisa, mesmo em assuntos que conheço muito. As entrevistas da Vera Silvia contribuíram para formatar a personagem Ana de tal maneira que muitos dos seus textos são da própria Vera. Entrevistas com artistas plásticos, da nova e da velha geração, curadores e pessoas que trabalharam no primeiro escalão do Governo nos deram ideias e abriram caminhos.
O mais difícil foi transformar um filme que partia de uma série de discussões em imagens. Não queríamos nos fechar na sala da espera nem sair para contar o cotidiano de cada um. No processo, acho que descobrimos que ideias e impressões se tocam e podem se transformar também num fluxo de imagens, se conseguirmos no libertar de uma narrativa com principio, meio e fim. Evidente que exige mais trabalho, já que estamos rompendo manuais. Mas qual seria o prazer de fazer um filme sobre tanta rebeldia se não pudéssemos exercer a nossa liberdade?
Quando a Lucia me convidou para colaborar no roteiro, fiquei muito entusiasmada. Em primeiro lugar, porque eu nunca tinha trabalhado com cinema. Em segundo, porque o tema me interessava particularmente. Meus pais fizeram parte da resistência à ditadura nos anos 60 e 70, e cresci ouvindo histórias dessa época, convivendo com ex-prisioneiros políticos, torturados, exilados. Eram muitas as histórias de dor e, no entanto, elas não chegavam a mim e às outras crianças em forma de lamento, de vitimização.
Ao contrário. Embora a revolução que eles propunham não tenha obtido êxito, nunca passaram a sensação de derrotados. O mais importante era deixar um legado crítico em relação ao mundo, uma abertura de pensamento. Se a revolução não ocorreu, ocorreram várias pequenas revoluções, mudanças fundamentais na nossa posição no mundo.
A memória que me contam surgiu como a perspectiva de transformar em arte
questões com as quais convivi a vida toda. Meu diálogo com a Lucia era espontâneo, nos entendíamos muito bem, pois estávamos a falar de um universo
em comum, embora cada uma com um olhar distinto. Ela era a testemunha viva. Eu, aquela que conhecia o passado pela memória dos outros.
E foi justamente isso que quisemos explorar: Como segue a vida do sobrevivente? E como o herdeiro constrói a sua própria história?