Experiente ator de cinema (Terra estrangeira) Fernando Alves Pinto representa Peninha, companheiro de cela de Miguel (Caco Ciocler) na Ilha Grande. A relação de cumplicidade entre os dois personagens retrata a intimidade na penitenciária.



Como foi sua participação no "Quase Dois Irmãos"?

Esse filme foi extremamente importante para mim. Eu cresci numa família que tinha muitas histórias envolvendo a questão abordada no filme. Meu tio foi preso, muitos amigos da família envolvidos. Cresci com o Brasil 'ame-o ou deixe- o'. Para mim, mesmo sem entender exatamente o porquê, era óbvio o quanto estava sendo terrível. Nesse sentido, poder re-construir um pouco dessa história num filme, tem um significado importante não só para mim, mas acho que para toda a minha geração, que não viveu isso diretamente.

A equipe foi muito acolhedora, e a Lúcia Murat me deixou à vontade para participar do processo de criação. Todo mundo era parceiro. Passou rápido demais, de repente acabou. O set de filmagem foi extremamente prazeroso, eu conhecia pouco as pessoas mas passei a gostar muito de todo mundo. O filme foi muito bom de fazer, dá vontade de fazer de novo.

A primeira vez em que a gente leu o roteiro achei interessante de cara. O texto é muito bem escrito, bem construído. Mas, ao mesmo tempo, a liberdade que os atores tiveram de criar em cima de alguns diálogos contribuiu muito. Na realidade, acho que o roteiro e a maquiagem são pistas, pedacinhos onde você cria o seu boneco: o ser vivo

Fale um pouco do seu personagem: o Peninha.

O aspecto mais marcante que vi em Peninha foi sua irresponsável leveza. Enxerguei isso como uma certa irresponsabilidade que era fundamental pra ele não entrar naquela violência toda. Ele foi torturado, tem uma cicatriz na cabeça, mas continuava capaz de rir. Não é que fosse otimista, mas acho que não tinha como ficar pior do que ele estava. O Peninha quase morreu varias vezes, na verdade, era ameaçado de morrer diariamente. O interessante do personagem é que, apesar da pressão, ele arrisca, é irresponsável: põe a própria namorada em risco para ajudar o amigo. Ele se diverte diante do caos. Eu pude enxergar, nessas pequenas pistas que me foram dadas, que Peninha não tinha medo, porque já estava na pior.

Qual a importância de se filmar essa fatia da nossa história?

Colocar essas situações todas dos livros que lemos e de todas as sacanagens absurdas que aconteceram na história do Brasil é fundamental. O filme mostra que as injustiças sociais não dizem respeito exclusivamente à década de 70, se mantém recorrentes e agora são tão graves quanto antes. Acho que filmar esse pedaço da nossa história serve para a gente enxergar melhor nosso país e não se assustar com o que está aí hoje pelas ruas do Brasil.

Como você percebe os sentimentos de ideal e luta dessa geração que antecede a sua?

Acho que essa foi a geração do idealismo. Foi uma geração cheia de tentativas românticas e fantasiosas, mas que não conseguiram montar quase nada de concreto. Hoje, acho que a informação e o pensar estão desacreditados. O importante dessa geração foi exatamente os ideais, as reflexões. Eles pensaram o mundo através de um ideal e acreditavam profundamente nisso.

Esse é um filme de idéias importantes. É um trabalho de equipe, de soma. Como uma orquestra ensaiada. E eu, a todo o momento nas filmagens, estava por inteiro. Na verdade, acho que todos têm que estar por completo. É o que chamo de esquizofrenia profissional, a gente vive só aquilo ali.